Brasília, DF – Em um dia decisivo para a história política e jurídica do Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quinta-feira (11), para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por uma série de crimes graves, incluindo tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A decisão, que marca o ápice de uma longa e tensa investigação, foi selada com o voto contundente da ministra Cármen Lúcia, que acompanhou o relator, Alexandre de Moraes, e o ministro Flávio Dino, estabelecendo um placar de 3 a 1 na Primeira Turma da Corte.
O resultado representa uma resposta dura do Judiciário aos ataques sofridos pela democracia brasileira e consolida a narrativa da acusação de que houve uma tentativa orquestrada para subverter o resultado das eleições de 2022 e manter o então presidente no poder de forma ilegal.
O Voto Decisivo: Cármen Lúcia Aponta Bolsonaro como Líder
O voto da ministra Cármen Lúcia foi o ponto de virada do julgamento. Com uma análise detalhada e técnica das provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), ela não apenas concordou com a condenação, mas também reforçou o papel central de Jair Bolsonaro na trama.
“Tenho por comprovado […] que Jair Messias Bolsonaro praticou os crimes que são imputados a ele na condição de líder da organização criminosa”, afirmou a ministra em um dos trechos mais fortes de sua fala. Para ela, o ex-presidente não foi um mero participante, mas o “causador” e o “líder de uma organização que promovia todas as formas de articulação alinhada para que se chegasse ao objetivo” golpista.
Cármen Lúcia argumentou que os crimes não foram “instantâneos”, mas sim parte de um processo contínuo que começou com a propagação de desinformação sobre o sistema eleitoral e culminou nos planos de ruptura. “No caso da propagação de desinformação sobre o sistema eleitoral e ataques aos poderes, como aqui ficou largamente demonstrado, esta participação do réu [Jair Bolsonaro] que deu início efetivo a essas ações de propagação, atingindo exatamente um grupo muito grande”, disse ela.
A “Operação Punhal Verde e Amarelo” e a Cooptação Militar
Outro ponto de grande impacto no voto da ministra foi a menção à “Operação Punhal Verde e Amarelo”. Ela confirmou que as investigações demonstraram a existência de um plano para a “neutralização violenta de agentes públicos”, que tinha como alvos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio ministro Alexandre de Moraes. “O documento punhal verde e amarelo, como foi criado, qual era o objetivo, o que se pretendia, a instigação das manifestações violentas e antidemocráticas, aí há um vastíssimo material a comprovar”, declarou.
Além disso, a ministra ressaltou que a trama envolveu a cooptação de membros das Forças Armadas. “Houve cooptação de comandos militares para instituição de medidas antidemocráticas, também ficou, acho, devidamente demonstrado”, afirmou, corroborando a tese do relator de que o plano golpista foi apresentado e discutido com altos oficiais.
Os Condenados e os Crimes
Com a formação da maioria, a condenação atingiu um grupo que ocupava o núcleo do poder no governo anterior. Foram condenados:
- Jair Bolsonaro: Apontado como líder da organização criminosa.
- Generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto: Ex-ministros do Gabinete de Segurança Institucional e da Defesa, respectivamente.
- Almirante Almir Garnier: Ex-comandante da Marinha.
- General Paulo Sérgio Nogueira: Ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa.
- Anderson Torres: Ex-ministro da Justiça.
- Mauro Cid: Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, cuja delação foi peça-chave.
- Alexandre Ramagem: Ex-diretor da Abin e atual deputado federal.
A maioria respondeu por um conjunto de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A única exceção foi o deputado Alexandre Ramagem, que, por sua imunidade parlamentar, foi julgado apenas pelos três primeiros crimes, sendo poupado das acusações relacionadas aos atos de 8 de janeiro.
O julgamento agora segue para sua fase final, com o voto do ministro Luiz Fux. Embora a condenação já esteja selada, a definição das penas para cada um dos réus só acontecerá após a conclusão de todos os votos. A decisão desta quinta-feira, no entanto, já entra para a história como um dos mais importantes posicionamentos do STF em defesa da democracia brasileira.